Impenhorabilidade de título prevista em estatuto de clube não se aplica a quem não é sócio

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que o pacto de impenhorabilidade de título patrimonial presente em estatuto social de clube desportivo se limita à entidade e aos seus sócios, que anuíram ao acordo, não podendo ser aplicado a terceiros, salvo exceções previstas em lei.

A decisão foi motivada por recurso de um sócio do Iate Clube do Rio de Janeiro, que, alvo de execução judicial, buscava afastar a penhora de seu título patrimonial, o qual alega ser impenhorável por conta de previsão estatutária do clube. Para o ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso, essa condição vincula apenas os sócios que convencionaram entre si o pacto de impenhorabilidade do título.

“Como em todo negócio jurídico, o referido pacto de impenhorabilidade fica limitado às partes que o convencionaram, não podendo envolver terceiros que não anuíram, ressalvadas algumas situações previstas em lei”, disse. “Assim, o pacto de impenhorabilidade contido explicitamente em estatuto social do clube desportivo não pode ser oposto contra o não sócio”, completou.

Execução judicial

De acordo com o processo, uma imobiliária foi condenada a restituir a uma cliente quase R$ 54 mil, além de R$ 12 mil de indenização por danos morais, em decisão já transitada em julgado que decretou a rescisão de promessa de compra e venda.

Como o pagamento não foi feito de forma voluntária, o juízo de primeiro grau aplicou multa, determinou o bloqueio on-line das contas correntes e decretou a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para que a execução judicial pudesse atingir o patrimônio pessoal de seus sócios, cujos bens incluem o título do Iate Clube.

O empresário requereu a impugnação do cumprimento da sentença, sob o argumento de que o estatuto do clube garante a impenhorabilidade do título, entretanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) rejeitou a impugnação.

No recurso ao STJ contra o acórdão do TJRJ, o sócio alegou que o título patrimonial se enquadra no artigo 649, inciso I, do Código de Processo Civil de 1973, que estabelece como impenhoráveis os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução.

O ministro Villas Bôas Cueva, no entanto, considerou que a característica de impenhorabilidade do título tem efeito apenas para os que anuíram ao acordo. “As decisões tomadas pela associação somente vinculam os respectivos sócios e associados, além de não haver previsão legal para se reconhecer a eficácia erga omnes de tais deliberações do clube”, afirmou.

Ausência de liquidez

O empresário também alegou que o título penhorado teria pouca ou nenhuma liquidez e não satisfaria o crédito em execução, visto que a associação ao clube depende de aprovação da maioria de seus membros, “o que provavelmente não ocorrerá com o título penhorado”.

O ministro, porém, ressaltou que o próprio estatuto da entidade prevê que os títulos patrimoniais podem ser objeto de compra e venda e de transmissibilidade, de modo que não há empecilho para que sejam adquiridos por terceiros ou alienados pelos titulares.

“Ressalta-se que determinada pessoa pode ostentar a condição de coproprietária da entidade associativa, sem, porém, ser sócio, salvo disposição diversa no estatuto, conforme o artigo 56 do Código Civil de 2002. Contudo, essa circunstância não retira o conteúdo econômico do título patrimonial, que pode ser objeto de livre disposição pelo seu titular, devendo o seu valor ser apurado em juízo”, concluiu.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1475745

Quarta Turma do STJ não admite suspensão de passaporte para coação de devedor

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi desproporcional a suspensão do passaporte de um devedor, determinada nos autos de execução de título extrajudicial como forma de coagi-lo ao pagamento da dívida. Por unanimidade, o colegiado deu parcial provimento ao recurso em habeas corpus para desconstituir a medida.

A turma entendeu que a suspensão do passaporte, no caso, violou o direito constitucional de ir e vir e o princípio da legalidade.

O recurso foi apresentado ao STJ em razão de decisão da 3ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (SP) que, nos autos da execução de título extrajudicial proposta por uma instituição de ensino, deferiu os pedidos de suspensão do passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do executado – até a liquidação da dívida no valor de R$ 16.859,10.

Medida possível

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a retenção do passaporte é medida possível, mas deve ser fundamentada e analisada caso a caso. O ministro afirmou que, no caso julgado, a coação à liberdade de locomoção foi caracterizada pela decisão judicial de apreensão do passaporte como forma de coerção para pagamento de dívida.

Para Salomão, as circunstâncias fáticas do caso mostraram que faltou proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretendia favorecer (adimplemento de dívida civil).

“Tenho por necessária a concessão da ordem, com determinação de restituição do documento a seu titular, por considerar a medida coercitiva ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável”, afirmou.

Medidas atípicas

Salomão afirmou ser necessária a fixação, por parte do STJ, de diretrizes a respeito da interpretação do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil de 2015.

De acordo com o ministro, o fato de o legislador ter disposto no CPC que o juiz pode determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, “não pode significar franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em sua totalidade”.

“Ainda que a sistemática do código de 2015 tenha admitido a imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que resguarda de maneira absoluta o direito de ir e vir, em seu artigo 5º, XV”, frisou o relator.

Mesmo assim, o ministro afirmou que a incorporação do artigo 139 ao CPC de 2015 foi recebida com entusiasmo pelo mundo jurídico, pois representou “um instrumento importante para viabilizar a satisfação da obrigação exequenda, homenageando o princípio do resultado na execução”.

CNH

Em relação à suspensão da CNH do devedor, o ministro disse que a jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que referida medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir. Para Salomão, neste ponto, o recurso não deve nem ser conhecido, já que o habeas corpus existe para proteger o direito de locomoção.

“Inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo”, afirmou Salomão.

O ministro admitiu que a retenção da CNH poderia causar problemas graves para quem usasse o documento profissionalmente, mas disse que, nesses casos, a possibilidade de impugnação da decisão seria certa, porém por outra via diversa do habeas corpus, “porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção”.

Outros casos

O relator destacou que o reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na suspensão do passaporte do paciente, na hipótese em análise, não significa afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos.

“A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência”, destacou.

Leia o voto do relator.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RHC 97876